quarta-feira, 10 de março de 2010

44. Porfírio Alves Pires



"o boi do pobo"
aguarela sobre tela 100 x 80
2009

(devolvido)

“O Boi do Povo”


No agreste planalto do Barroso foi-se seleccionando uma raça: o boi barrosão. Animal de trabalho, puxando os carros com feno, centeio ou lenha, ainda sacos de batatas; também o arado ou a charrua. Animal de parca alimentação, de crescimento lento, pouca carne e pouca produção de leite, grande cornadura em lira, mas robusto e de facto adaptado às condições climáticas, de alimentação e de funções: força de arrasto notória.
Companheiro do dia a dia das gentes do povoado, solto nas serras quando os trabalhos agrícolas se interrompem; conduzidos em vezeira à povoação que o Inverno já se anuncia.
Entre eles figura o boi de cobrição, o único boi inteiro da aldeia, com vida à parte, pastando na companhia de um vitelo e de uma vaca ou outra. “Côrte” só para ele! A sua função é tão-somente procriar. Mas mais: tem que demonstrar e sua valentia perante os congéneres de outras povoações. Ele pertence a todos e está-lhe cometida a defesa da honra viril do povoado, quando posto frente a um rival.
Das complicadas negociações entre os representantes enviados resulta normalmente que o encontro, bem ponderado o percurso, se dá a meio caminho e a notícia corre célere por todas as redondezas: “a chega” é lá, no lameiro junto do moinho.
O “Boi do Povo” chega na sua passada lenta e imponente no seu peso de tonelada. Deixam-no repousar, touçar aqui e além, farejar os ares, bruar agressivo que por detrás do carvalhal além já se houve igual sinal daquele que vai ser o contendor.
A “chega” que acontece é uma luta de pesos colocados todos na cornadura e firmeza nas patas, tonelada de cada lado, galhos esgrimindo à procura de uma aberta; luta determinada pelos instintos de procriação, sobrevivência do mais apto, a defesa da espécie. Luta franca, por vezes extremamente breve, outras durando alguns minutos em que aquele que vence pouco persegue o derrotado, que a função está cumprida: afastá-lo. O derrotado, esse pode passar de animal endeusado a gladiador vencido e por julgamento do povo não terá mais lutas, que a honra da aldeia foi posta em causa. É assim entre eles os “boi do povo”.
De mesmo não é entre as gentes das aldeias, que por entre trocas de razões, muitas vezes chegam aos argumentos do varapau com aguilhão, sachos e foices. E regressam à aldeia em cortejo triunfal, contando todos os pormenores de aquele acontecimento único, que será lembrado anos a fio em cada pretexto.
Esta história, no que se refere ao clímax intenso de uma “chega” no sentir colectivo do povo, perdeu validade.
A agricultura faliu por estes lados e a pouca que resta mecanizou-se. As aldeias comunitárias esvaziaram-se e o “povo” já não tem “boi” que demonstre a força, a valentia do colectivo, talvez porque este, o colectivo de uma sociedade restrita, já não tem lugar.
As “chegas” em Barroso continuam e até começam a ser exportadas para zonas limítrofes. Mas são espectáculos normalizados, produzidos em série no “chegódromo” (!!!) na presença do Sr. Presidente e seus convidados vindos da cidade e são entre o boi do Fulano e o do Sicrano, transportados em camioneta, ambos pagos convenientemente.
Mudança nos usos ou a enorme vantagem de razões turísticas, monetárias que sejam, a possibilitarem a existência, hoje ainda, do boi barrosão? Mas já não são marcos existenciais na vivência colectiva, falados e falados até que a memória se perca.
Ele, o “boi” que já não é do “povo”, continua lento, possante na sua pelagem do intenso pôr-do-sol, cumprindo as funções ancestrais de afugentar os rivais que se mostrem com menor força, valentia mais dúbia. Continua a manter a permanência da raça dos melhores entre os melhores e adquiriu agora a carta de folheto turístico. Pode ser subsidiado.
Porfírio Alves Pires



Porfírio Alves Pires, nasceu em Montalegre em 1944.Terminou a licenciatura em 1973 em Paris (CESAIPE). É encarregue das cadeiras de desenho no Atelier André Michel em Paris na primeira metade da década de 70.Ensina projecto e desenho na Fundação Ricardo Espírito Santo Silva, em Lisboa na década de 80.É crítico de arte no “Diário de Lisboa” de 86 até à sua extinção, e no “Diário Fim de Semana”.Expõe desenho e pintura a partir dos anos 60 e regularmente desde a década de 80.

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UMA AJUDA COM ARTE

Num movimento desencadeado por Sara Garrotte (Chuca), um elevado número de artistas plásticos e outras instituições ofereceram obras de arte para serem leiloadas, revertendo o produto para uma instituição de solidariedade da Madeira indicada pela Segurança Social. Feito um leilão devidamente licenciado pela Câmara Municipal do Porto, foi acordado, com a dita instituição de solidariedade social, a realização de uma exposição das obras remanescentes, no Funchal, aprontando-se aquela a alcançar o patrocínio de uma transportadora para que as obras chegassem à Madeira sem mais despesas, salvaguardando-se, desse modo, todo o pecúlio grangeado através do leilão, o qual foi remetido à aludida instituição social. Passado o mês de Setembro, e os mais meses até ao fim do ano de 2010, do Funchal, não veio "resposta, nem recado". Tememos, por isso, pelo trato futuro dado às obras postas à disposição para "AJUDA À MADEIRA" e resolvemos devolvê-las aos respectivos autores ou ofertantes, à disposição de quem se encontrarão até ao respectivo levantamento na Galeria. Galeria Vieira Portuense AUTORES DAS OBRAS: Aidê Zorek, Alberto D'Assumpção, Ana Camilo, Ana Maria Garcia, André Semblano, Angelina Gomes, António Dulcídio, António-Lino Pedras, Aníbal Alcino, Arnaldo Macedo, Bela Mestre, Bem-aventurado Jorge, Carlos Dugos, Carmen Santaya, Carmen Sevillano Estremera, Cassio Mello, Constância Néry, Célia Ribeiro, César Barros Amorim (Mutes), Danielle Carcav, Delfina Mendonça, Dina de Sousa, Estrela Rua, Felipe Alarcón Echenique, Fernando Pamplona, Francisco Urbano, Gabrielux, Gelin FM, Griñon, Ignacio Hábrica, Irene Gomis, Joana Gonçalves, Jorge Murillo Torrico, José A. Cardoso, José Gonçalves, José Projecto, José Rosinhas, Júlia Fernandes, Kim Molinero, Lamadrid, Lena Gal, Luiz Soares, Luz Morais, Luís Rodrigues, Marco Batista, Maria da Glória, Maria Dulce Bernardes, Maria Rosas, Maria Tereza Braz, Marina Cocós, Marina Fátima, Marina Mourão, Mary Carmen Calviño, Miguel Angel Salido Serrano, Mizé, Molina, Mário Rebelo de Sousa, MR (Miquelina Ribeiro), Neiro, Nelson Marques, Paula Navarro, Pedro Charters d’ Azevedo, Pedro S. Morillo, Pepa Mariño, Pilar Feás, Porfírio Alves Pires, Renato Pereira, Ritta Bremer, Roig de Diego, Rosa Lapinha, Rosaura Serrano Sierra, Sabela Baña Roibás, Sara Garrote (Chuca), Soledad Fernández, Sónia Lapa, Tareixa Barrós, Teodoro Büest, Té Salvado e Yolanda Carbajales.

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